Pr. Carlos Eduardo

Pr. Carlos Eduardo

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Simpósio Jurídico tem início hoje.....


Hoje tem início o I Simpósio Jurídico das Assembléias de Deus em Curitiba. Este evento é uma iniciativa da Assessoria da Presidência, com apoio do Ministério e ajuda da Superintendência de Educação Cristã. É um evento importantíssimo já que segundo tudo que se vê a grande e próxima perseguição da Igreja de Cristo deve dar-se pelas vias jurídicas. Isto já é possível ser sentido na medida em que os direitos de crença e culto vem sendo limitados em toda parte do mundo e de forma muito sensível no Brasil. O evento será um dos primeiros a ser realizados no Brasil e esperamos que as pessoas atentem para a necessidade de estarem bem informadas e preparadas para os próximos momentos da história humana na Terra. Ministrarei uma disciplina introdutória às outras sob o tema: A Igreja no ordenamento jurídico pátrio. Estou anexando minha disciplina para que quiser ter algum conhecimento sobre isto.


A IGREJA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Pr. Carlos Eduardo Neres Lourenço

O presente trabalho tem por fim trazer uma visão panorâmica sobre a inserção das entidades religiosas no sistema jurídico brasileiro. O ideal é a produção de um pequeno trabalho, de leitura e compreensão fácil, mesmo para aquelas pessoas, marcadamente líderes obreiros trabalhadores das entidades religiosas, sem formação jurídica, mas interessadas em aprimorar seus conhecimentos. Não vislumbra este escrito constituir-se em um tratado sobre o assunto, tão somente uma fonte simples e primária de informação à interessados.


O homem e o ordenamento jurídico

Tudo nasce com existência de um ser, amado por Deus, complexo, que pode ser visto em pelo menos 03 dimensões. Este ser, a quem damos o nome de homem, é um ser que precisa relacionar-se com Deus, consigo mesmo, e com o mundo que o cerca.

Se adotarmos a teoria antropológica tricotomista, o homem será visto como corpo, alma e espírito. Nesta mesma teoria, o homem relaciona-se com Deus através de seu espírito (pneuma – sopro- fôlego), relaciona-se consigo mesmo através de sua alma (psique – capacidade intelectiva, emocional e volitiva), e com o mundo que o cerca através do corpo que possui órgãos dos sentidos.

Alguns textos bíblicos fazem ver a preocupação bíblica com todos estes elementos, vejamos alguns:

I Tessalonicenses 5:23 - "E todo vosso espírito, alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" (Grifo nosso).

I Coríntios 4:1 - "Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, despenseiros dos mistérios de Deus" (Grifo nosso).

II Timóteo 2:15 - "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem do que envergonhar-se” (Grifo nosso).


Diante dos textos já abordados verificamos a existência de pelo menos 03 (três) aspectos a serem enfocados, quais sejam:


- O aspecto espiritual (Diz respeito a Deus): "E todo vosso espírito...", "... a Deus, como obreiro aprovado...”.
- O aspecto intelectual, pessoal (Diz respeito a nós mesmos): "... alma...", "envergonhar-se...”.
- O aspecto exterior (Diz respeito ao mundo que nos cerca): “... corpo sejam...", "Que os homens nos considerem...”.

É aqui, neste último ponto que encontramos o liame e ponto de partida entre o homem e o ordenamento jurídico. A bíblia e a boa prática cristã preocupam-se com os aspectos espirituais, pessoais, mas também com os aspectos externos. Preocupa-se com a moral e espiritualidade, mas não despreza a convivência social, e neste ínterim surgem as normas de convivência social.

Neste aspecto também não seria demais valer-nos de 02 (dois) textos que se completam na Bíblia e pelos quais devemos ter profundo respeito:

Mateus 5:11 - Bem aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e mentindo disserem todo mal contra vós;

Jeremias 48:10 - Maldito aquele que fizer a obra do Senhor fraudulentamente...

Que os homens nos considerem...

Os textos supra, levam em conta a imagem que formamos perante as demais pessoas. Levam em consideração a convivência social. Neste aspecto da convivência social encontramos pelo menos 05 espécies normativas a serem enfocadas:

- Moral coletiva; Não é coercitiva, mas implica em punição social...
- Costumes; Praticas sociais reiteradas e convergentes...
- Liturgia; Praticas e processos religiosos...
- Regras de simples conduta social; Não são coercitivas, mas harmonizam a vivência coletiva (Aqui estão a etiqueta e o protocolo).
- Lei; É coercitiva sob pena de punição...


Apenas Explanando:

Moral coletiva: trata daquilo que não é ilegal, mas não é plenamente aceito pela coletividade.

Costumes: São as práticas reiteradas e convergentes de determinada sociedade.
Ex: Chimarrão no Sul, tererê no Mato Grosso, dança na África, silêncio nas igrejas Sulistas, etc...
Obs... Há que se tomar grande cuidado neste aspecto principalmente quando da realização de missões.

Liturgia: São as práticas religiosas que devem ser observadas, é o processo adjetivo através do qual o culto substantivo se efetiva.

Regras de simples conduta social: São todas as demais regras que regulam a vivência do indivíduo em sociedade, está amplamente ligado ao conceito primário de política (arte de viver na polis) e que compreende a popularmente chamada educação, a etiqueta e o protocolo:

Lei: é imposta pelo Estado e prevê punição para o desobediente;


Quando este ser humano, agrega-se em torno de sua religiosidade, agrega-se para prática de culto, agrega-se para difusão, conservação e exercício de sua crença, temo o embrião de uma Igreja.
Igreja X Pessoa Jurídica de Direito Privado

Ao nos referirmos ao termo “Igreja”, uma multidão de sentimentos e entendimentos, claros ou não, racionais ou não, nos vêm ao pensamento.

O termo “Igreja” nos remete a vários conceitos espirituais, bem como até mesmo a conceitos físicos.

Quando falamos em Igreja, pensamos no corpo místico, a Igreja Universal, o Corpo de Cristo, a Noiva do Cordeiro, que será arrebatada por ocasião da vinda do Senhor Jesus.

Outras vezes o termo nos remete ao espaço físico onde as pessoas se reúnem, se encontram, professam sua fé e oferecem o seu culto. Neste sentido o termo ganha significado de templo, de construção.

Estas visões, estão intrinsecamente ligadas ao ser humano que relaciona-se com Deus (Igreja Universal, Mística) e ao ser humano que relaciona-se consigo mesmo (subjetividade). Ocorre, que como o ser humano relaciona-se com o meio em que vive, particularmente deve estar sujeito às leis, existe também uma Igreja que relaciona-se com o meio no qual está inserida e também deve subordinar-se à leis. A esta Igreja que relaciona-se com o mundo, especificamente com o mundo jurídico, damos o nome de pessoa jurídica.


Do ponto de vista jurídico, o termo Igreja remete ao ser juridicamente reconhecido pelo Estado. É traumatizante, numa visão pastoral, falarmos que a Igreja é juridicamente uma empresa, mas em termos simples e inteligíveis, é isto mesmo. O Estado vê a Igreja como vê qualquer empresa. O Estado a vê como uma pessoa de direitos e deveres, sem corpo físico tão somente com um patrimônio social, gerada por vontades privadas. O Estado vê a Igreja como uma pessoa jurídica de direito privado, portadora de uma inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ) e que é sujeita de direitos e deveres..

É conceito de pessoa jurídica: - “A unidade de pessoas naturais ou de patrimônio, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações; são 3 os seus requisitos: organização de pessoas ou de bens; licitude de seus propósitos ou fins; capacidade jurídica reconhecida por norma.”.

Como já antes dito, esta pessoa jurídica de direito privado está submetida ao Estado como quaisquer outras empresas o estão, possui direitos, mas também deveres para com este Estado e para com todos com quem pode e contrata.



Fundamentos Jurídicos das Entidades Religiosas no Direito Brasileiro

No Brasil, a separação (laicização) entre o Estado e a Igreja tem sido consagrada desde a proclamação da República e desde a primeira Constituição Federal de 1891. Findava-se aí uma confusão entre Estado e Igreja que já havia durado mais e 400 anos, particularmente falando de Estado e Igreja Católica.

No período colonial, entre 1500 e 1822, o Brasil ainda colônia portuguesa, fazia aplicar a legislação de Portugal, que em analise hodierna seria vista como extremadamente intolerante.

Vigeram, por exemplo, as Ordenações Manuelinas, complementadas pela Coleção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião (1569), que proibiam entrada de ciganos (Quarta Parte, Tit XIII, Lei II) e de armênios, árabes e persas (Quarta Parte, Tit XIII, Lei V) em Portugal e territórios, em função de suas práticas religiosas. Neste mesmo sentido podemos falar inclusive na expulsão dos judeus, de Portugal, no ano de 1498.

Ainda após a independência, durante o período monárquico (1822 – 1889), a religião católica foi a religião oficial do Brasil. A Constituição Imperial de 1824 assim se expressava:

“A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular em casa para isto destinadas, sem forma alguma exterior de Templo”
[1].

O que se vê é que o Brasil, independente recentemente, adota em seu ordenamento jurídico, com fundamento em sua Constituição Imperial de 1824, de influência completamente européia e inspiração na Carta Francesa de 1814 outorgada por Louis XVIII
[2], o regime português do padroado ou jus patronatus[3]. O jus patronatus consistia no controle pelo Estado, da administração dos negócios religiosos, por decorrência de privilégios concedidos, cun oneribus (com ônus), aos patronos pela legislação da Igreja Romana. Estes privilégios continham inclusive o jus praesentandi, que seria o direito mesmo de apresentar as pessoas que ocupariam cargos eclesiásticos como bispos, padres, abades, párocos, capelães, etc...[4] Na pratica o Rei também era o chefe local da Igreja Católica. O Brasil, com a bula papal Praeclara Portugaliae Algarbiorunque Regum, de 27 de maio de 1827, dada pelo Papa Leão XII, obteve os mesmo privilégios concedidos a Portugal e Espanha e outras monarquias européias católicas.

Com a Proclamação da República, no ano 1889, a nova carta, influenciada pelo modelo norte americano, adota a separação total entre a Igreja e o Estado. De acordo com este pensamento cumpre ao Estado abster-se do fenômeno religioso. A Constituição de 1891 abstém-se de imiscuir-se em assuntos religiosos, diferentemente das anteriores, declarando a plena liberdade de prática religiosa, a todo “culto ou Igreja”. Consagrou-se inclusive o ensino leigo (educação secular), o que até então era praticado no âmbito religioso.

Os demais textos constitucionais trazidos a lume em território pátrio, de 1934 (Art.113), 1937 (Art.122), 1946 (Art.141 §7º) e 1967 (Art.153 §5°) sustentaram o caráter laico do Estado. Mantiveram a separação entre Estado e Igreja. Comum a todos apenas o estabelecimento de limite à liberdade de religião, o respeito pela “ordem pública e os bons costumes”.

Direito de Crença e Culto

Neste aspecto, ao CF de 88, faz um regresso as Constituições de 1946 e 1934. Nestas, separavam-se os direitos de consciência e crença, para que ambos restassem protegidos. Liberdade de consciência e liberdade de crença não devem ser confundidas. Primariamente porque é possível que no exercício livre da consciência, o indivíduo opte por não aderir qualquer crença. Neste aspecto e neste sentido, estariam protegidos pela direito de consciência inclusive os optantes por nenhuma crença, como ateus e agnósticos.

Em outro sentido, liberdade de consciência pode apontar para uma deontologia que não implique em qualquer sistema religioso.

A atual Constituição, promulgada em 05 de outubro de 1988, trata da religião em alguns artigos. São fundamentais os seguintes:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
...
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
...
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;...


As normas acima estão inseridas no Art. 5° da CF, em Capítulo que trata dos Direitos e Garantias Individuais. Neste ficam assegurados os direitos à liberdade de consciência e crença, e à liberdade de culto (VI); assistência religiosa em estabelecimentos de internação coletiva (VII). Consagrados ainda são os princípios da igualdade e da não discriminação
[5], e tal contribui para o afastamento de quaisquer formas de discriminação, mas também para quaisquer formas de intolerância. Tais constituem-se em princípios inalienáveis dos direitos humanos sob ótica jurídica. Entretanto, o legislador brasileiro, não utiliza-se do termo “não discriminação”, antes vale-se do escrito “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política” (VIII).


Em nosso modelo nacional, o Estado está obrigado a abster-se de qualquer envolvimento com as Igrejas, particularmente seus cultos, mantendo absoluta neutralidade em relação à prática religiosa. Nesta busca deve abster-se tanto de agir positivamente estabelecendo ou financiando cultos:


Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Quanto negativamente de alguma forma obstando sua realização, veja-se:

Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º. Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º. As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

Quando os deveres do cidadão são contrários às obrigações próprias de um fiel no exercício de sua crença e culto, este pode, utilizando-se de objeção de consciência, fazer com que prevaleçam seus valores religiosos, superiores e inderrogáveis segundo a legislação
[6]. A Constituição Federal, em seu Artigo 143 §1°, autoriza que todo cidadão brasileiro possa exercitar a “objeção de consciência” para se eximir por razões religiosas de prestação de serviço militar obrigatório. Pelo mesmo princípio autoriza aos eclesiásticos, isenção do serviço militar.

Pelo que facilmente se vê, a religião não pode e não deve contentar-se apenas a dimensão espiritual, enquanto necessidade e realidade da alma do ser humano. A religião se exterioriza, e neste ato entra em contato com a ordem social. Esta exteriorização demanda rituais, solenidades, e estas não podem se efetivar sem a liberdade de culto.

A liberdade de culto pode ser exercida em qualquer lugar, independentemente de templos ou locais específicos, de qualquer forma, esta liberdade não é absoluta. Existem princípios que devem ser respeitados no tocante à este ponto de contato, entre externação do culto e a ordem social. O princípio da mantença da ordem pública deverá sempre ser respeitado.


Organização e natureza Jurídica das Igrejas

O Código Civil de 2002 trouxe enorme inquietude e ansiedade quanto à personalidade ou natureza jurídica das Igrejas, bem como sobre sua liberdade de organização. O Código as excluía do rol das pessoas jurídicas de direito privado disposto no Art. 44, que elencava apenas três incisos:
I - as associações
II - as sociedades
III - as fundações.

Concluíram, inevitavelmente os operadores do Direito, que a partir da vigência do novo diploma legal - 10/1/2003 - todas as igrejas, independentemente de seus documentos constitutivos ou sistemas internos de governo, deveriam se adaptar ao novo ordenamento jurídico.

Dentre as opções descritas no referido Art. 44, em função de seu caráter de não lucratividade, restava apenas a possibilidade consignada no inciso I - as associações.

Por tal, estudiosos da matéria, em razão das amplas e necessárias alterações estatutárias que o Novo Código exigiria das igrejas, proferiram palestras, encontros e escreveram páginas e páginas, publicando artigos, ensaios e livros. O objetivo disto tudo foi o de esclarecer e orientar administradores, líderes e fiéis, durante o transcorrer dos anos de 2002 e 2003, sobre nova realidade do país com a nova lei, o que trouxe no seu bojo expressivas modificações em face da legislação anterior. Não bastasse isto, as igrejas em geral deveriam, ainda, observar o estabelecido no Art. 2.031, do novo Código Civil, de que "as associações [...], terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; [...].".

O ilustre Miguel Reale, revisor do Novo Código Civil, curiosamente, escreveu artigo que foi publicado pela Folha de S.Paulo, em 5/7/2003, assentando que "as igrejas não são associações civis, pois se constituem livremente de conformidade com os fins que lhe são próprios e decorrem de seus atos constitutivos autônomos.." e mais, "essa diretriz é extensível a todos os tipos de associações, inclusive as de fins religiosos, sendo porém excluídas da determinação do Código as igrejas como tais, sujeitas, apenas, às normas fundantes e estruturais de cada culto. Ficam assim preservadas as peculiaridades das igrejas no que se refere ao seu livre funcionamento". E como esteio dessas assertivas, transcreve-se o pensamento do mestre Rui Barbosa, campeão das liberdades religiosas, registrado nas Obras Completas, vol I, p. 105, que diz: "as igrejas, essas associações resultantes da identidade de crença, vivem livres para a adoração do seu Deus, na propagação de sua fé, na difusão de suas doutrinas, que elas, independente de qualquer poder estranho, possam elevar-se à adoração do eterno princípio de todos os seres; que, por seu lado, o Estado, único poder das sociedades livres, gire independente na órbita da sua ação, e não queira coibir os cultos senão quando eles ofenderem a ordem e a paz da sociedade; eis o nosso desideratum. Queremos, em suma, de um lado a perfeita liberdade para o Estado; do outro a perfeita liberdade para a consciência, ou, na frase de Lamartine - a Liberdade para Deus - ".

Após os trâmites que a Constituição exige para alterações legislativas, foi apresentado pelo Deputado Paulo Gouvêa, o PL n.º 634, de 2003, compilando os demais Projetos de Leis versando sobre a mesma matéria, cuja proposição visava acrescentar o inciso IV, ao Art. 44, da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - novo Código Civil. O PL n.º 634/2003 teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados Federais, sendo aprovado pelo plenário em 05.11.2003 e encaminhado ao Senado Federal. No Senado Federal a matéria foi apresentada através do PL n. 88/2003, sendo aprovado pelo plenário em 09.12.2003 e imediatamente encaminhado ao Presidente da República para sanção.
Em 22/12/2003, o presidente da República - Luiz Inácio Lula da Silva - sancionou a Lei n.º 10.825, que acrescenta o inciso IV, ao Art. 44, do novo Código Civil brasileiro, garantindo às igrejas em geral a personalidade jurídica própria, ou seja, incluindo-as no rol das pessoas jurídicas de direito privado e conseqüentemente concedendo-lhes autonomia administrativa e financeira sobre suas atividades e patrimônio.
Assim, a Lei n.º 10.825, de 22/12/2003, dá nova redação aos Artigos 44 e 2.031, da Lei n.º 10.406, de 10/1/2002, que instituiu o Código Civil, definindo as organizações religiosas como pessoas jurídicas de direito privado e desobrigando-as de alterar seus estatutos sociais no prazo previsto no mesmo Codex, restabelecendo, portanto, princípios anteriormente consagrados pela legislação brasileira e mantidos desde a instituição do Estado leigo, no que diz respeito à liberdade religiosa; respeitando, observando e cumprindo, na amplitude de seus preceitos, a Constituição da República Federativa do Brasil.

Por tal, o Novo Código Civil passa a ser redigido da seguinte forma, em seu Artigo 44:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – Os partidos políticos

Decorre de tal que as organizações religiosas são portadoras de natureza jurídica sui generis, ou seja, possuem uma natureza jurídica própria, não se subordinando às naturezas jurídicas das associações ou fundações. Tal medida subordina o direito de organização das Igrejas tão somente aos princípios de ordem pública e aos direitos indisponíveis. Podendo, as organizações religiosas, possuírem como lei interna maior seus próprios atos constitutivos consignados em Estatuto e Regimento Interno.



Da existência legal, capacidade jurídica, responsabilidades e extinção das organizações religiosas


As pessoas jurídicas de direito público iniciam-se em razão de fatos históricos, de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais, se tratar-se de pessoa jurídica de direito público externo; No caso das organizações religiosas, como pessoas jurídicas de direito privado, o fato que lhes dá origem é a vontade humana, sem necessidade de qualquer ato administrativo de concessão ou autorização, salvo os casos especiais do CC (arts. 18 e 20,§§ 1º e 2º), porém a sua personalidade jurídica permanece em estado potencial, adquirindo status jurídico, quando preencher as formalidades ou exigências legais; o processo genético apresenta-se em 2 fases: a do ato constitutivo, que deve ser escrito, e a do registro público.

Toda pessoa jurídica, após registro de seus atos constitutivos adquire capacidade jurídica. Esta decorre da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro; essa capacidade estende-se a todos os campos do direito; pode exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial; tem direito à identificação, sendo dotada de uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade; a pessoa jurídica tem capacidade para exercer todos os direitos compatíveis com a natureza especial de sua personalidade. No caso das organizações religiosas, exercer todos os direitos como tal.

A Igreja como pessoa jurídica de direito privado, no que se refere à realização de um negócio jurídico dentro do poder autorizado pela lei ou pelo estatuto (responsabilidade contratual), deliberado pelo órgão competente, é responsável, devendo cumprir o disposto no contrato, respondendo com seus bens pelo inadimplemento contratual.

Para além da responsabilidade contratual, as organizações religiosas também podem ser sujeitas a responsabilidades extracontratuais. As pessoas de direito privado devem reparar o dano causado por seus representantes que procedeu contra o direito. Portanto as igrejas respondem pelos atos ilícitos praticados pelos seus representantes, desde que haja presunção juris tantum de culpa in eligendo ou in vigilando , o que inclusive provoca a reversão do ônus da prova em alguns casos, fazendo com que a pessoa jurídica tenha de comprovar que não teve culpa nenhuma (STF, Súmula 341). As pessoas de direito são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

As organizações religiosas, como todas as pessoas jurídicas de direito privado podem vir a extinguir-se. Apenas exemplificando: a) pelo decurso do prazo de sua duração; b) pela dissolução deliberada unanimemente entre os membros; c) por determinação legal, quando se der qualquer uma das causas extintivas previstas em lei ou estatuto; d) por ato governamental; e) pela dissolução judicial. Percebe-se que a extinção da pessoa jurídica não se opera de modo instantâneo; qualquer que seja o fator extintivo, tem-se o fim da entidade; porém se houver bens de seu patrimônio e dívidas a resgatar, ela continuará em fase de liquidação, durante a qual subsiste para a realização do ativo e pagamento de débitos, cessando, de uma vez, quando se der ao acervo econômico o destino próprio; sua existência finda pela sua dissolução e liquidação.


Da área do direito ande estão envolvidas as organizações religiosas
Em texto produzido por
Gilberto Garcia, Publicado em 30.08.2006, no site do Instituto Jetro[7] de apoio às organizações religiosas o referido autor faz menção de algumas áreas do direito, de forma sucinta, nas quais a ordem jurídica encontra-se ou confunde-se com as áreas de atuação e existência das organizações religiosas. Fazemos transcrever abaixo partes do texto.
“Destacamos, para exemplificação algumas áreas e aspectos legais nas quais as Igrejas estão obrigadas a respeitar, tais como quaisquer organizações associativas, como a civil: orientar que menores de 18 anos não participam de assembléias deliberativas, votando ou sendo votados, inclusive, para quaisquer cargos de diretoria estatutária, conselho fiscal, conselho de ética etc; estatutária: ter seu Estatuto Social averbado no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que é uma espécie de Certidão de Nascimento da Organização Religiosa o qual possibilita o cumprimento de deveres e o exercício de direitos, inclusive na obtenção de seu CNPJ - Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas na Receita Federal; associativa: os membros devem possuir um exemplar do Estatuto Social, onde constam seus direitos e deveres, formas de admissão e desligamento de membros, sendo que a exclusão de membros deve ser precedida de procedimento, preferencialmente encaminhado por um Conselho de Ética, que assegure a presunção de inocência, a ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório e o direito a recurso, sob pena de reintegração por descumprimento estatutário e processo de dano moral por exposição vexatória etc.
E, ainda, outras, como a tributária: reconhecimento à imunidade da Pessoa Jurídica, com relação a impostos, e obrigatoriedade de apresentar declaração de imposto anual, além de reter e recolher ao Fisco o tributo devido pelo pastor, ministros e funcionários; trabalhista: registrar a Carteira de Trabalho dos seus prestadores de serviço, pagando seus direitos em dia etc; previdenciária: quitar mensalmente com as contribuições sociais de seus empregados, e, facultativamente de seus pastores e ministros etc; administrativa: respeito às atribuições dos diretores estatutários - presidente, vice-presidente, secretários, tesoureiros, conselho fiscal, conselho de ética - no cumprimento de suas funções, manutenção dos livros de atas das assembléias etc.
E, finalmente, mais algumas, como a criminal: evitar e inibir a pratica de ilícitos penais, por sua liderança ou fiéis, tais como a prática do charlatanismo, financeira: abster-se de expor, de forma vexatória, lista pública de contribuintes ou não, prestação de contas das contribuições recebidas, sendo recomendável a instituição de um Conselho Fiscal, para a apresentação de balanços contábeis periódicos aos membros; imobiliária: utilizar imóvel para culto devidamente documentado, realizar mutirão para construção dentro das normas legais, reunir-se em local que possua “habite-se” de sua construção da prefeitura municipal, vistoria do corpo de bombeiros etc; responsabilidade civil: manutenção de instalações de alvenaria, elétricas, hidráulicas em bom estado de conservação, extintores de incêndio, saídas de emergências etc, se possível, possuir seguro contra incêndio e acidentes no templo e dependências da Igreja, além da obrigação moral e espiritual, relativa aos ministros que devem ser sustentados condignamente através dos rendimentos eclesiásticos”.

Finalmente jamais poderão ser desprezadas quaisquer possibilidades de que a Igreja seja envolvida com determinadas áreas do direito até mesmo sem desejar. Todos os cuidados devem ser adotados para que isto seja evitado. Nunca é demais registrarmos os cuidados que os líderes observem cuidados especiais. Alguns setores são mais sensíveis, e com certeza serão objeto de avaliação pelos demais operadores do direito que assessoram nossas igrejas, bem como palestrantes deste e de outros eventos. Salientamos cuidados especiais nos procedimentos administrativos de admissão e exclusão de membros, na contratação de profissionais, na ordenação de obreiros, nas cessões de uso de bens móveis e imóveis da Igreja, na oitiva de confissões, no sigilo ministerial, entre outros.

Não é demais lembrarmos também que a independência das Igrejas em relação ao poder judiciário deve ser preservada pelo cuidado que se deve ter com os atos constitutivos, com as definições teológicas com efeito jurídico. Particularmente nestas últimas devemos ter claro que aquilo que os teólogos em conjunto com os operadores do direito não definirem nos instrumentos constitutivos das igrejas poderá ser objeto de definição por parte do poder judiciário, e isto não nos será útil. Interpretes da palavra de Deus devem ser os operadores da mesma e não os operadores do direito que deve abster-se à interpretação das leis.
CONCLUSÃO

A matéria é por demais vasta, o que se viu neste pequeno material é apenas uma tentativa de abordar os mais comezinhos e básicos aspectos da mesma.
Longe estamos de esgotarmos o assunto, e ainda mais longe de qualquer espécie de perfeição, mas esperamos que tenhamos podido ajudar, ao menos abrindo uma janela para tão vasto horizonte na busca de sermos melhores a cada dia.
Que possamos ser motivo de júbilo aos anjos diante de cada alma que trouxermos para o Reino de Deus, motivo de honras a Deus por aquilo que somos, pensamos e procedemos, e de orgulho para nossos liderados e irmãos que conosco trabalham.
Graças damos a Deus se acharmos graça aos vossos olhos, merecendo vossas orações.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Buonomo, Vincenzo, Cooperazione e Svilluppo: Le Regole Internazionali, EMI della Coop. SERMIS, Bologna 2005, pp 150-155.

Cardia, Carlo. Stato e confessioni Religiose, II Mulino, Bologna 1992, pp.363-365.

Garcia, Gilberto. As obrigações legais das igrejas,
www.institutojetro.com .

http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm.

http://
www.palaciodoplanalto.gov.br. Legislação Diversa.

Iglésias, Francisco. História Geral e do Brasil, Ed. Ática, 1989, p.114.

Iglésias, Francisco. Trajetória Política do Brasil (1500-1964), Companhia das Letras, São Paulo, 1993.

Vilela, Magno José. Roma e as Práticas Missionárias do Novo Mundo, in Revista Eclesiástica Brasileira, 36 (1976), fasc. 142, Petrópolis, p.407.
[1] http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm.
[2] Iglésias, Francisco. Trajetória Política do Brasil (1500-1964), Companhia das Letras, São Paulo, 1993.
[3] Iglésias, Francisco. História Geral e do Brasil, Ed. Ática, 1989, p.114.
[4] Vilela, Magno José. Roma e as Práticas Missionárias do Novo Mundo, in Revista Eclesiástica Brasileira, 36 (1976), fasc. 142, Petrópolis, p.407.
[5] Buonomo, Vincenzo, Cooperazione e Svilluppo: Le Regole Internazionali, EMI della Coop. SERMIS, Bologna 2005, pp 150-155.
[6] Cardia, Carlo. Stato e confessioni Religiose, II Mulino, Bologna 1992, pp.363-365.
[7] Garcia, Gilberto. As obrigações legais das igrejas, www.institutojetro.com .

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